Não sei nada de História. Aliás, quando Bourdieu e
Passeron escreveram sobre A Reprodução
no sistema educacional, se referiam a minha professora de História do Ensino
Básico. Só posso acreditar que ela reproduzia o que havia aprendido na escola.
Sua aula era, no mínimo, intrigante. Ela entrava,
dava bom dia; sentava na cadeira à sua mesa, fazia a chamada pelo número (nunca
pelo nome); abria seu livro, dizia-nos qual página devíamos abrir o nosso e
começa a LER o texto. Em seguida mandava-nos sublinhar determinados trechos;
quando terminava o capítulo (com sua leitura inspiradora) passava a lição de
casa: responder as perguntas do questionário.
Para nossa “sorte”, o primeiro trecho que havíamos
sublinhado era, coincidentemente, a resposta da primeira pergunta! O segundo
trecho, respondia a segunda questão! Que didática! Que bela aula!
Ironias a parte, penso que ela somente podia estar
reproduzindo o que havia aprendido! Seu objetivo era que soubéssemos responder
as questões da prova, que seriam “tiradas” das questões dos questionários.
De acordo com o que escreve a professora Marilda
Aparecida Behrens, no seu livro O
Paradigma Emergente e a Prática Pedagógica (editora Vozes), minha
professora de História se encaixava perfeitamente no modelo da Pedagogia
Tradicional Liberal, em sua Abordagem Tecnicista:
“O elemento principal da abordagem tecnicista não é
o professor, nem o aluno, mas a organização racional dos meios. O planejamento
e o controle asseguram a produtividade do processo. A ênfase da prática educativa
recai na técnica pela técnica. A escola tem o papel fundamental de treinar os
alunos. O professor tecnicista caracteriza sua prática pedagógica pela
transmissão e reprodução do conhecimento. A abordagem exige dos alunos
respostas prontas e corretas”.
Minha professora de História fazia o que tinha
aprendido. Fazia como lhe haviam ensinado!
Sempre gostei de rock: Led Zeppelin, U2, Beatles,
Ramones, Rolling Stones, Pink Floyd, dentre outros. Fiquei impressionado quando
vi meu primo Caio traduzindo as letras do álbum duplo The Wall, do Pink Floyd.
Ele me justificou dizendo que iria assistir ao filme e que se soubesse a
tradução das letras ficaria bem mais fácil para compreender o filme.
Penso que tinha por volta de 12 anos. Aquilo ficou
na minha cabeça. Procure, mesmo se não gostar de rock, na Internet o clip da
música Another Breaking The Wall.
Assista. Veja como as abordagens liberais tradicionais entendem nossos alunos:
regras rígidas em sala de aula, todos os alunos são iguais e o que importa é o
produto final.
Todas as vezes que assisto ao vídeo do Pink Floyd,
ou assisto ao filme Sociedade dos Poetas
Mortos, entendo um pouco mais o que o mestre Paulo Freire queria dizer por
“Educação Bancária”, por “Távola Rasa”. Em seu livro Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à Prática Educativa,
Freire nos ensina: “(...) um primeiro saber inicialmente apontado como
necessário à formação docente, numa perspectiva progressista: saber que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo aberto a
indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser
crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir
conhecimento.” (Capítulo 2 - Ensinar não é transferir conhecimento).
Muito obrigado minha cara professora de História:
ensinou-me o que não fazer.
Muito obrigado Bourdieu e Passeron: me levaram a
entender minha professora de História.
Muito obrigado professora Behrens: me fez
compreender que minha professora não era única em sua prática docente.
Muito obrigado primo Caio: me apresentou Pink Floyd.
Muito obrigado mestre Paulo Freire: por estar sempre me ensinando a cada nova (re)leitura.
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